segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Abolição da Escravidão

Num país que inventou a prerrogativa jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou "não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". As pendengas judiciais, aos tortuosos caminhos legais da Câmara e do Senado, aos entraves e recuos provocados por infindáveis discussões partidárias; aos conflitos entre os liberais e conservadores que antecediam a aprovação de qualquer nova lei contra a escravidão, deve-se acrescentar o fato de que, depois de finalmente aprovadas, tais leis se tornavam, no ato e na prática, letra morta. Esse processo sórdido explica por que a luta legal contra a escravidão se prolongou por 80 anos no Brasil.
Foi somente após a humilhação internacional resultante do "Bill Aberdeen" que o Brasil, enfim, se dispôs a proibir o tráfico. A abolição se tornou, então, uma questão interna, realmente "nacional". Sem a pressão exterior, seu processo se prolongaria por quase quatro décadas. A maioria dos conservadores era, a priori, contra a libertação dos escravos. Se ela tivesse de ser feita, os proprietários precisariam ser indenizados pelo Estado e o processo deveria ser “lento, gradual e seguro”. Em maio de 1855, o conselheiro José Antônio Saraiva propôs que a escravidão fosse extinta em 14 anos e que o Estado pagasse 800 mil-réis por escravo entre 20 e 30 anos, 600 mil-­réis pelos de 30 a 40, 400 mil-réis pelos de 40 a 50 e um conto (ou 1 milhão) de réis por escravo com menos de 20 anos.
Entre os liberais, as posições variavam muito. Havia os que pensavam como os conservadores; havia os republicanos radicais; havia os fazendeiros de São Paulo interessados em solucionar logo a questão substituindo os escravos por imigrantes europeus -desde que recebessem incentivos financeiros para o projeto.
De qualquer forma, em 28 de setembro de 1871, numa jogada política sagaz, o gabinete conservador, chefiado pelo visconde do Rio Branco (acima, à esquerda), conseguiu aprovar a chamada Lei do Ventre Livre, segundo a qual seria livre qualquer filho de escrava nascido no Brasil. Além de arrancar a bandeira abolicionista das mãos dos liberais, ainda bloquearia por anos a ação dos abolicionistas mais radicais, garantindo, assim, que a libertação dos escravos fosse um processo "lento, gradual e seguro". Na prática, a lei seria burlada desde o início, com a alteração da data de nascimento de inúmeros escravos. O Fundo de Emancipação, criado pela mesma lei e oriundo da Receita Federal - para pagar pela alforria de certos escravos - também foi logo dilapidado, usado em grandes negociatas. Muitos proprietários arrancavam os filhos recém-nascidos de suas mães e os mandavam para instituições de caridade, onde as crianças eram vendidas por enfermeiras que faziam parte do esquema armado para burlar a Lei Rio Branco. Em alguns manuais escolares, o conservador visconde do Rio Branco ainda surge com a mesma imagem que adquiriu aos olhos dos abolicionistas ultramoderados: a imagem de "Abraham Lincoln brasileiro".
Golpeada pela Lei do Ventre Livre, a campanha abolicionista só recomeçaria em 1884. Um ano mais tarde, porém, o Parlamento jogou outra cartada em sua luta para retardar a abolição: em 28 de setembro foi aprovada a Lei Saraiva­ Cotejipe, ou Lei dos Sexagenários. Proposta pelo gabinete liberal do conselheiro José Antônio Saraiva e aprovada no Senado, comandado pelo presidente do Conselho de Ministros, o barão de Cotejipe, a lei concedia liberdade aos cativos maiores de 60 anos e estabelecia normas para a libertação gradual de todos os escravos, mediante indenização. Na verdade, a Lei dos Sexagenários voltaria a beneficiar os senhores de escravos, permitindo que se livrassem de velhos "imprestáveis".
No início de 1888, a impopularidade do chefe de polícia do Rio de Janeiro, Coelho Bastos, fez cair o ministério de Cotejipe, que abertamente afrontava a princesa Isabel. Os conservadores permaneceram no poder, com João Alfredo como presidente do ministério. Em abril de 1888, Alfredo chegou a pensar em propor a abolição imediata da escravatura, porém obrigando os libertos a ficar por "dois anos junto a seus senhores, ira trabalhando mediante módica retribuição". No mês seguinte, não foi mais possível retardar o processo abolicionista - agora liderado pela própria princesa Isabel. Depois que a regente assinou a lei, Cotejipe estava entre os que foram cumprimentá-la. Ao beijar-lhe a mão, o barão teria dito: "Vossa Majestade redimiu uma raça, mas acaba de perder o trono". A frase se revelaria profética.

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